quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Parecia ter um buraco no estômago
Tentei encher com whisky
Calhou que estava mesmo furado
e a água da vida fluiu sobre minhas vísceras em um entorpecente abraço
Dormi.
No sono, um degrau mais perto da morte, estiquei minha mão em direção à luz
Só fiz ser queimado, e me retraí, com medo
Não sei se já acordei
Acho que vou continuar aqui encolhido
Talvez machuque menos

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Eu gosto de gente de verdade, que sente, que se permite ser ridículo e tosco.
Gosto de gente de carne, sangue, espírito e bosta!
Gosto de quem tem qualidades, e apesar disto exibe os defeitos como medalhas duramente conquistadas ao longo da vida.
Gosto de quem erra e sofre com o erro, e ri do erro e dança com o erro um tango e depois o deixa na sarjeta como uma coisa usada (abusada) e já sem serventia.
Gosto de quem de noite se reúne com seus demônios e serve para cada um um copo de whisky, depois chora sozinho, até dormir…
Gente que te olha no olho e diz com toda falsidade: Foda-se!

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Ipê

Sai apressado para ver os ipês
Já era quase noite
Sobrava apenas uma flor
Mas tão amarela, tão perfeita e tão murcha
que valia por todas as flores e todo o ouro tirado das montanhas
Resolvi voltar a dormir e esperar a nova florada, não só das flores,
mas também das almas

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Da controvérsia acerca da medição da saudade



Algumas pessoas acham que se pode medir a saudade pela distância.
Outras, pelo tempo.
Há ainda, talvez as corretas, as que acreditam que se mede pelo aperto do abraço da volta.
Neste exato instante, se mede pelo desejo de que se faça bom tempo amanhã, para que se possa ouvir Maricotinha.

B.M.P.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Hospitalidade

Entre quando quiser e fique a vontade.
Coma, beba e desfrute de tudo.
Emporcalhe cada centímetro da toalha branca.
Os restos, deixe onde caírem.
Os vermes cuidam de tudo no final.

B.M.P.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Onde estás?

Onde estás que não respondes?

Onde ocultas sua face marcada

pelo tempo e pela saudade?

Evitas encarar meu rosto

pelo medo do que verás refletido

em minhas pupilas.

Inutilmente tentas fugir,

como uma mosca, ficas a bater

contra algo que não sabes o que é.

Desvairadamente tentas arrancar de si

o que julgas que o macula.

Mal percebes que pelo caminho

vais se deixando. Vais deixando de ser.

E não sabes que por mais que tentes

jamais deixarás de ser o que és.

E mesmo depois que estiveres totalmente nu,

ainda verás em meus olhos

as marcas que deixaste em mim.

B.M.P.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Olvidadas

Olho pela janela e saudoso lembro do tempo em que as pessoas sabiam conversar.
Algumas, as julgadas eruditas, sabiam até mesmo ler e escrever.
Fascinantes histórias eram contadas, enchiam-se páginas e mais páginas com pequenos símbolos negros, com os quais o poeta exorcizava sua alma, e gentilmente nos dava toda sua agonia.
Sentados, junto ao fogo nas noites frias, nas varandas sombreadas nos dias quentes, em volta da comida na maioria das vezes, amigos narravam seus dias, seus sonhos, suas desilusões e pequenas vitórias que tornavam suportáveis suas vidas tacanhas.
Vizinhas valiam-se das janelas para fiscalizar as vidas alheias e as fofocas pulavam de casa em casa e os pequenos escândalos privados tornavam-se públicos.
Até mesmo as crianças tagarelavam seus faz-de-conta e suas mirabolantes idéias de mundos fantásticos e irreais aos obtusos olhos dos adultos.
Infelizmente as palavras acabaram, foram gastas, estão hibernando.
Ouvi falar que ainda há umas cinco ou seis que sobreviveram refugiadas em uma mente louca, onde estão tentando se juntar e formar um pequeno poema, bem barulhento, que acorde as outras.
Infelizmente não estão achando uma rima.

B.M.P.